15/03/22 | São Paulo
Reportagem publicada pelo Insper
A geração de energia solar no país atingiu uma marca histórica. As usinas fotovoltaicas de grande porte e os sistemas de micro e minigeração já produzem mais do que Itaipu, que fornece 8,4% da eletricidade no Brasil e 85,6% no Paraguai. São 14 gigawatts (GW) de potência operacional, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). “É um dado bastante relevante porque mostra que houve um aumento muito rápido da capacidade de geração de energia elétrica baseada em células solares no Brasil”, diz o químico Robson Raphael Guimarães, professor do Insper. No relatório de 2020 da Irena, a agência internacional de energias renováveis, a capacidade brasileira era de 7,9 GW. “É um aumento expressivo de 77% em menos de dois anos”, ressalta.
Uma das justificativas está no incentivo forçado pela delicada questão energética. “No ano passado, passamos por uma crise hídrica e, como consequência, o aumento do preço da energia elétrica que o consumidor paga pela rede convencional”, avalia Guimarães, doutor em Química pela Universidade de São Paulo. “Esse fato pode ter gerado um crescimento das pequenas instalações de placas fotovoltaicas, e a tendência é continuar aumentando.”
Dos 14 GW operacionais, 9,3 GW estão em residências, comércio e serviços, propriedades rurais, indústrias e prédios públicos — que suprem a própria necessidade e distribuem o excedente na rede convencional. Essa geração distribuída é quase o dobro dos 4,7 GW produzidos nas usinas solares de grande porte, que complementam os 14 GW do setor.
Outra característica favorável da energia solar é a descentralização, com a geração feita simultaneamente por muitas pessoas. Para construir uma usina hidrelétrica como Itaipu, necessita-se de um alto investimento estatal, em processos que envolvem licitações, estudos de impacto ambiental, obras de grande porte e interferência em comunidades ribeirinhas. “Qualquer pessoa pode instalar placas fotovoltaicas na sua casa e contribuir para o aumento da capacidade de geração de energia”, diz o professor assistente da disciplina Química Tecnológica Ambiental do Insper.
Confiança no sistema
Novos serviços costumam ser vistos com desconfiança. Quando Thomas Edison inaugurou a primeira usina comercial em Nova York, em 1882, os usuários começaram a receber as faturas quatro meses depois, como estímulo à contratação do fornecimento. De uma indústria local, cobrou-se uma conta de 50 dólares na época, cerca de 1.400 dólares corrigidos pela inflação desde 2022. Vendida pelo próprio Edison, uma lâmpada incandescente valia um dólar, algo como 28 dólares. Quem desistisse do abastecimento no início da cobrança não pagava nada, nem pela fiação estendida até o prédio.
Cento e quarenta anos depois, todos sabem que a lâmpada vai se acender e a possibilidade dessa lâmpada se acender por meio da energia solar está aumentando exponencialmente nos últimos anos. Uma das dúvidas em relação aos dispositivos solares é a diferença entre as modalidades on-grid e off-grid. Na primeira, toda a energia gerada pelo equipamento e não gasta pelos moradores da casa, por exemplo, é injetada na rede pública de distribuição e reverte em créditos para o consumidor. Na off-grid, armazena-se a energia fotovoltaica em baterias durante a conversão — solução adequada a lugares isolados que não dispõem de sistema de distribuição para compartilhar o excedente.
Uma das desvantagens do off-grid é que a vida útil das baterias depende dos ciclos de carga e descarga. Por isso, precisam ser trocadas periodicamente para equilibrar as perdas. “É só pensar no nosso celular, que carregamos e descarregamos todos os dias. Depois de dois anos, a duração da carga da bateria já não é a mesma de quando compramos o telefone”, compara Guimarães. O off-grid custa três vezes mais do que o on-grid. Em uma instalação totalmente isolada, um terço do dinheiro aplicado corresponde às placas, e dois terços, às baterias.
O crescimento da geração distribuída em casas e prédios parece superar a percepção de que a tecnologia é cara. Segundo o professor, o investimento em painéis fotovoltaicos paga-se em cerca de cinco anos, considerando as tarifas de luz que seriam desembolsadas. A vida útil das placas chega, em média, a 25 anos; portanto, sobram 20 anos de economia. Uma conta simples: a residência que consome 200 reais mensais de energia elétrica precisará de aparelhagens de 12 mil reais (200 reais x 60 meses). No entanto, essa quantia dilui-se na economia dos 240 meses seguintes.
Bilhões em importações
A compra permanece proibitiva para famílias de baixa renda, condição que poderia ser revertida com financiamentos direcionados à aquisição dos painéis. “Mas houve uma diminuição muito grande no preço das placas, por causa do avanço tecnológico e dos subsídios dados por outros governos, principalmente na China, que reduziram o custo de fabricação”, observa Guimarães. Desde a década de 1970, o custo de fabricação dos módulos solares caiu 99%, segundo artigo publicado em 2018 por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT). O Brasil compra do exterior 80% do equipamento usado nessas instalações e, mesmo com o dólar caro, foram importados 11,7 bilhões de reais em módulos fotovoltaicos em 2021, o dobro de 2020, conforme a Abinee, associação da indústria de eletroeletrônicos.
Apesar da aparente sofisticação da tecnologia, a manutenção limita-se à limpeza da sujeira que se acumula na superfície e limita o rendimento de conversão. “Hoje, o preço da placa solar está bastante otimizado. Isso faz com que seja uma energia mais barata ao longo de 25 anos, que é a vida útil do equipamento”, afirma Guimarães.
Outra hipótese para a aceleração nas vendas seria a cobrança de taxa progressiva pelo uso da rede de distribuição, estabelecida pela Lei 14.300/2022. O Marco Legal da Geração Distribuída vai mudar as regras para quem aderir à energia solar a partir de janeiro de 2023. Atualmente, o excedente da produção descentralizada é injetado na rede convencional sem custo de manutenção para o proprietário do imóvel — os chamados micro e minigeradores.
No topo da eficiência
Ficou curioso? Usando o SunData, no site do Cresesb, centro de referência do setor, encontra-se a irradiação solar média em cada cidade brasileira. Por exemplo, na região da sede do Insper, são cerca de 4,5 quilowatts-hora (kWh) por metro quadrado por dia. Multiplicando por 30, dá 135 kWh por metro quadrado em um mês. A eficiência da placa solar é de 15% a 20%, porque nem toda a radiação que atinge a superfície durante o dia é convertida. Cada metro quadrado de painel, portanto, gera 20 kWh/mês, na condição menos favorável de 15%. “Mesmo que você não tenha uma casa tão grande, é possível suprir toda a demanda energética apenas com esse equipamento no telhado”, diz Guimarães.
O Anuário de Energéticos, publicado pelo governo do estado de São Paulo, registra o consumo residencial médio na capital paulista em 200 kWh/mês — 2,6 moradores por residência, considerando uma população de 12,4 milhões de habitantes em 4,8 milhões de unidades de consumo. “Com um telhado de 20 metros quadrados, gera-se 400 kWh/mês, suficiente para as necessidades de uma família de cinco pessoas”, diz o professor.
Em laboratório, há sistemas que ultrapassam 40% de eficiência, mas esses equipamentos esbarram na relação custo-benefício. O adicional de energia gerada não compensa o preço mais alto da tecnologia. As placas de silício monocristalino e policristalino, desenvolvidas desde a década de 1970, atingiram o melhor desempenho — os 15% a 20% — capaz de garantir competitividade ao produto.
Guimarães explica: “As placas não conseguem absorver todo o espectro solar; então, só uma parte do que está chegando à Terra em forma de energia de radiação é convertida em energia elétrica. Existem pesquisas que procuram materiais que absorvam a maior faixa possível do espectro solar. Além dessa estratégia, há uma segunda em estudo. Toda vez que um fóton (a partícula elementar da luz) chega até a célula solar, converte-se em um elétron que pode percorrer um circuito elétrico. Em células solares, uma grande parte dos elétrons gerados são perdidos, num processo que se chama de recombinação de elétrons. Então, pesquisadores tentam diminuir esses processos de recombinação para aumentar a eficiência das células solares. Para isso, são feitas modificações nos materiais para diminuir essas recombinações de elétrons e também para encontrar novos materiais que absorvam uma maior faixa do espectro solar. No laboratório, tudo funciona sob condições controladas, com uma eficiência máxima, mas o custo é uma variável importante para aplicação no nosso dia a dia”.
O sol nasce para todos
Outros parâmetros devem ser apreciados, como a localização geográfica da cidade. Em São Paulo, que está ao sul do Equador, uma leve inclinação dos painéis para o norte aumenta em 5% a quantidade de energia gerada. Cada pedacinho de informação ajuda os cidadãos a estimar os benefícios econômicos e ambientais de aderir à tecnologia. “Podemos empoderar as pessoas para que elas contratem uma empresa ou se sintam instigadas a instalar as próprias placas na casa delas, aumentando a participação da energia solar na matriz elétrica do Brasil”, idealiza Guimarães.
A expansão do sistema ajudaria a diversificar a matriz e reduzir os prejuízos causados pela dependência das hidrelétricas, que representam 57% dos 182 GW produzidos no Brasil. As mudanças climáticas têm alterado o regime de chuvas e prolongado as crises de abastecimento. “Somos um país vocacionado para a energia solar, com um potencial gigantesco de 28 mil gigawatts de geração por base fotovoltaica. Em termos estratégicos, temos que aproveitar esse potencial para aumentar a nossa segurança energética”, afirma o professor. Os números, sem dúvida, são poderosos para lançar luz sobre o debate.