09/02/23 | São Paulo
Reportagem publicada pelo Infomoney
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou em reunião de diretoria na terça-feira (7), por unanimidade, a regulamentação da lei n° 14.300, que estabelece um marco legal para a micro e minigeração distribuída de energia (segmento que tem impulsionado do aumento da capacidade de geração no Brasil).
As regras aprovadas, que receberam críticas de parte dos consumidores devido ao custo dos subsídios, abrangem procedimentos e conceitos técnicos que afetam esses projetos de geração de energia, como cobranças pelo uso da rede de distribuição, prazos para que as distribuidoras façam obras de conexão dos sistemas e apresentação de garantia de fiel cumprimento, entre outros.
A ABSOLAR (associação de energia solar) diz que a aprovação significa um passo importante para a geração distribuída — tecnologia que engloba desde painéis solares em residências a até pequenas usinas, de até 5 megawatts (MW) de potência, para abastecer o consumo de empresas.
A regulamentação será publicada por meio da resolução, n° 1.059/2023, entre o fim desta semana e o início da próxima.
A importância da regulamentação
Quando o marco foi sancionado, em janeiro de 2022, a previsão era que a Aneel teria 6 meses para regulamentar os aspectos técnicos do marco e definir diretrizes que deveriam ser seguidas pelas distribuidoras e empresas de instalação.
Mas a agência não cumpriu o prazo inicial. Ao InfoMoney, a Aneel disse no início do mês que vinha atuando com diligência e transparência e que regulamentaria o assunto no início de 2023.
Barbara Rubim, vice-presidente da Absolar, diz que a não regulamentação da lei n° 14.300 abriu brechas para as distribuidoras ficarem inertes e serem ineficientes na aplicação do marco legal. “A regulamentação era muito esperada pelo setor porque a falta dela era conveniente para as distribuidoras”.
Rubim afirma que uma série de direitos dos consumidores não estavam sendo cumpridos à risca, como a lei determina, com a justificativa da falta de regulamentação. Entre os problemas, ela aponta que as concessionárias estavam o exigindo documentos adicionais e adiando a análise da aprovação do projeto de placas solares para que menos consumidores conseguissem a isenção. “Agora, a lei terá que ser cumprida e esperamos que a Aneel fiscalize de perto o setor”.
A expectativa é que o processo seja um pouco mais ágil a partir de agora. Em reportagem recente, o InfoMoney explicou os detalhes da cobrans nuances dessa situação para os consumidores.
E o impacto no consumidor?
O marco traz importantes benefícios ao setor elétrico, por se utilizar de fontes de energia limpas — sobretudo a solar — e implicar uma geração próxima do local de consumo. O que vem chamando a atenção nos últimos meses em relação à nova lei é o fim da isenção tarifária para o consumidor que comprar placa solar a partir de agora.
Quem já tinha painel solar em operação ou solicitou a instalação em sua residência até 6 de janeiro deste ano garantiu, até 2045, a extensão da isenção do pagamento do uso da rede de distribuição (a chamada taxa “Fio B”).
Desde então, os novos projetos de placas solares estão sujeitos, entre outras regras, a pagamentos escalonados da “Fio B”, começando com um percentual de 15% a partir deste ano até atingir a integralidade em 2029.
Ou seja: o consumidor que instalar sua placa solar a partir de agora vai ter uma redução de preço menor em sua conta de luz, comparada à redução de preço na conta de quem instalou o sistema até 6 de janeiro e tem direito à isenção.
“Tripla cobrança”
Um dos principais pontos de discussão na regulamentação, que suscitou grande insatisfação entre agentes do mercado, foram os detalhes da nova cobrança. Entidades como a ABSOLAR apontaram que as regras colocadas inicialmente pelo regulador impunham uma “tripla cobrança” sobre os detentores de micro e minigeração própria, prejudicando principalmente os pequenos consumidores e aumentando o prazo de retorno dos investimentos.
Antes da regulamentação desta terça, a proposta era de que o consumidor, sem a isenção, pagaria:
A taxa TUSD “Fio B”;
A taxa mínima (também chamada de custo de disponibilidade, que já é cobrada atualmente)
A “demanda de geração de usina (TUSDg)”.
Rubim diz que a principal crítica ao modelo antigo era que, ao pagar a taxa “FioB” mais a taxa mínima, o consumidor já estaria pagando um valor em redundância, pois ambas são referentes à remuneração da distribuidora — o que não seria justo e oneraria ainda mais o cliente sem isenção.
A taxa mínima vale para qualquer consumidor de baixa tensão e varia de acordo com a distribuidora e a localidade. Ela é cobrada quando o consumo não atinge um mínimo, de forma a garantir alguma remuneração à distribuidora, mesmo se não houver consumo (pois ela deve manter o ponto e a potência disponíveis).
O presidente-executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia, diz que parte do problema foi solucionado, com a eliminação dessa “dupla cobrança” do custo de disponibilidade da rede da distribuidora e a taxa “Fio B”. “Conseguimos eliminar a cobrança em duplicidade, evitando a inviabilização da geração distribuída solar para a sociedade brasileira”, disse Sauaia, acrescentando que a entidade irá trabalhar junto ao Congresso para ajustar outros pontos que julga importantes na lei.
Taxa mínima
Com a regulamentação da Aneel definida na terça, o consumidor vai pagar a taxa “Fio B” mais o valor necessário para alcançar a taxa mínima (caso a “Fio B” seja menor). Ou vai pagar apenas a “Fio B”, se o valor monetário for superior à taxa mínima.
Por exemplo: considere um consumidor que tenha uma taxa mínima de R$ 100. Se a taxa “Fio B” de sua residência der R$ 50, ele pagará esse valor mais R$ 50 para chegar na mínima, mas se der R$ 102, ele paga apenas isso. Sem essa mudança, o cliente teria que pagar R$ 150 no primeiro caso e R$ 202 no segundo, somando as taxas — como era previsto anteriormente. Importante lembrar que esses valores e cálculos estão embutidos na conta de luz mensal que o consumidor recebe.
A regulamentação da Aneel prevê que o consumidor pessoa física também arque com o custo da TUSDg, que é uma taxa originalmente prevista para usinas de microgeração de energia. Essa taxa não estava prevista na lei 14.300 e foi adiciona pela regulamentação da Aneel, segundo Rubim.
A vice-presidente da Absolar diz que os agentes de mercado também tentaram evitar essa cobrança, mas a Aneel não cedeu. Afirma ainda que essa é uma alteração que a associação entende ser possível fazer pelo Congresso Nacional (retirar a cobrança dessa taxa). Já existe um projeto de lei (o PL n°2.703), que aguarda tramitação no Senado e que reforça que a cobrança da TUSDg não é cabível.
O que é o marco legal?
Sancionada em janeiro de 2022, a lei garantiu segurança jurídica ao segmento e impôs a tarifação a novos projetos. O marco consolida a possibilidade de o consumidor compensar a energia elétrica na sua conta de luz por meio de sistemas de micro ou mini geração distribuída.
Sob a nova lei, os consumidores que produzem a própria energia passarão por uma transição que permitirá a eles pagar a tarifa sobre a distribuição dessa energia. O nome técnico da tarifa é TUSD Fio B (ou Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição).
A geração distribuída é o modelo de produção de energia elétrica por meio de pequenas usinas geradoras, que podem estar no telhado do consumidor ou em um local bem próximo dele. Esse modelo funciona a partir de fontes renováveis.
A energia elétrica produzida neste formato abastece a unidade consumidora (uma residência por exemplo), e o excedente é conectado a uma rede de distribuição de uma concessionária. O marco chega para estruturar esse segmento a partir de regras que todos os participantes do setor devem seguir.
Cálculos da Aneel divulgados no ano passado estimaram que os subsídios à geração distribuída custariam R$ 5,4 bilhões aos consumidores em 2023. Atualmente, a geração distribuída soma 17 GW de potência no Brasil, tendo se tornado a principal propulsora da fonte solar no Brasil.