13/03/23 | São Paulo
Reportagem publicada pelo O Otimista
Rodrigo Sauaia fala sobre o atual momento do Ceará e do Brasil no que diz respeito à geração própria de energia, além de destacar a importância das fontes renováveis para o desenvolvimento sustentável da economia nacional.
O Ceará caminha para implementar de vez o Hub de Hidrogênio Verde, o que, segundo projeções de especialistas, vai transformar a economia do Estado, gerando emprego, renda e colocar o mercado cearense em evidência no Brasil. Em janeiro deste ano, o Ceará deu um passo histórico para a geração de energia limpa com o lançamento da primeira molécula de hidrogênio verde (H2V) produzida no País, mas ainda é preciso avançar mais.
Ao O Otimista , o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), Rodrigo Sauaia, fala sobre o atual momento do Estado e do País no que diz respeito à geração própria de energia, além de destacar a importância das fontes renováveis.
Sauaia, que é doutor em engenharia e tecnologia de materiais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), com colaboração internacional na área de energia solar fotovoltaica realizada no Fraunhofer Institut für Solare Energiesysteme (Alemanha), destaca que o potencial de crescimento do Ceará no setor.
Principalmente, em relação a incentivos fiscais para que consumidores possam se sentir motivados a investir em energia solar, por exemplo, que já é a segunda maior fonte da matriz energética brasileira.
O Otimista: A energia solar e a eólica estão em alternância como principais matrizes energéticas do País. Que avaliação o senhor faz desse momento?
Rodrigo Sauaia : O Brasil é um país com recurso extremamente vasto em energias renováveis, e o fato da energia solar e eólica estarem disputando a segunda colocação na matriz elétrica brasileira é um excelente sinal. As duas são fontes bastante competitivas. O País tem o recurso, no caso da energia solar, vastíssimo e muito bem distribuído no território nacional de Norte a Sul. No caso da energia solar, especificamente, temos uma característica especial dessa tecnologia de que é possível ter investimentos tanto em sistemas de pequeno porte, médio e grande porte. Mais da metade dos investimentos que o setor possui atualmente é fruto de investimentos diretos da geração própria de energia solar em telhados, por exemplo, em casas, pequenos negócios, propriedades rurais e prédios públicos. Essa é uma versatilidade e também um acesso mais facilitado que a energia solar traz à população. Facilita a democratização dessa tecnologia.
O Otimista: Quais são as principais projeções para o setor neste ano?
Rodrigo Sauaia: Até o fim do ano de 2023, segundo projeções da ABSOLAR, a energia solar deve instalar por volta de 10,1 GW (gigawatts). Analistas de mercado dizem que a fonte não vai parar por aí e, que até 2040, a fonte deve se tornar a número um da matriz elétrica brasileira, ultrapassando inclusive as hidrelétricas.
Então nós estamos no meio de um processo de crescimento e desenvolvimento da energia solar, que hoje apresenta uma fonte importante protagonista da matriz elétrica brasileira, trazendo uma energia limpa, renovável e competitiva, mas esse caminho ainda vai continuar com força nos próximos anos. Essa é a perspectiva dos principais analistas de mercado do Brasil e do mundo.
O Otimista: O setor de energias renováveis contribuiu diretamente para a geração de empregos no País em 2022. Qual é a projeção para 2023 em relação à fonte solar?
Rodrigo Sauaia: Para 2023, a projeção da ABSOLAR é que a fonte solar fotovoltaica vai crescer, vai adicionar 10,1 GW em nova potência instalada. Com isso, vai ultrapassar os 34 GW até o fim do ano. É uma evolução robusta, expressiva, um crescimento significativo da fonte que deve atrair por volta de R$ 50 bilhões em investimentos e gerar mais de 300 mil novos empregos no Brasil.
E com isso também veio uma contribuição relevante na redução de emissões de gases de efeito estufa na matriz elétrica brasileira e na geração de energia elétrica, contribuindo para a sustentabilidade e importante protagonismo ambiental do País.
O Otimista: O Ceará caminha para implementar o Hub de Hidrogênio Verde. Como você vê o trabalho que o Estado vem fazendo nos últimos anos?
Rodrigo Sauaia: O Ceará tem tomado a iniciativa de se posicionar como um estado aberto a investimentos em hidrogênio verde e que já começa a construir, inclusive, políticas públicas e incentivos buscando a atração de investidores para construir e estabelecer um polo para o H2V.
Essa é uma iniciativa que acontece ao mesmo tempo em que outros estados também fazem os seus movimentos. Como esse hidrogênio provavelmente vai ser processado e transformado em amônia para ser transportado com mais competitividade para a Europa, principal mercado consumidor, é importante buscar construir esse hub levando em consideração também a sinergia com essas outras commodities ou com esses outros subprodutos que vão precisar ser desenvolvidos. O Ceará tem feito um papel estratégico nesse sentido, de já olhar para a atração de investimentos e com isso buscar sair na frente de outros estados.
O Otimista: A primeira molécula de H2V do Brasil foi lançada no Ceará em janeiro, no Complexo do Pecém. Qual a importância dessa iniciativa?
Rodrigo Sauaia: A transformação de projetos de hidrogênio verde em realidade é fundamental para que a gente possa mostrar, analisar e calcular a viabilidade dessa tecnologia. Buscar também os mercados consumidores e posicionar o Brasil como uma referência porque já está conseguindo trabalhar a produção, a fabricação deste hidrogênio verde demandado, por exemplo, por países europeus, mas também por outros países que têm já interesse nesse novo combustível sustentável. O Estado mostra que é possível fazer acontecer mesmo que num primeiro momento os projetos ainda precisem ganhar maturidade e ter uma redução gradual do seu custo de produção. É preciso começar para ganhar vantagem competitiva. Essa iniciativa é importante, mas a gente percebe que há outros estados trabalhando para a produção do seu hidrogênio. O Ceará precisa estar atento e atuante para continuar mantendo a dianteira e o protagonismo.
O Otimista: O crescimento de painéis fotovoltaicos em pequenos estabelecimentos e residências é uma realidade, consolidando a geração própria de energia em pequenos empreendimento. Qual avaliação o senhor faz dessa realidade?
Rodrigo Sauaia: Apesar de o Brasil ter avançado bastante na energia solar fotovoltaica ao longo dos últimos anos, é preciso a gente olhar para esses números de mercado em perspectiva. Quando a gente olha a quantidade de sistemas fotovoltaicos de pequeno e médio porte em operação no País, nós estamos falando em aproximadamente 1,6 milhão em sistemas, fruto em especial de investimentos diretos dos consumidores. Ou seja, famílias, pequenos negócios, produtores rurais e gestores públicos instalando esses sistemas em fachadas de edifícios ou em pequenos terrenos. Esses sistemas geram energia elétrica para abastecer mais ou menos 2 milhões de unidades consumidoras. Apesar do número ser grande, é importante a gente saber que o País possui hoje mais de 90 milhões de unidades consumidoras no total, logo, 2 milhões representa menos de 2% dos consumidores gerando já sua própria energia. Então é muito pouco. O Brasil ainda está começando a sua trajetória, o seu desenvolvimento desse grande potencial. A gente ainda tem um caminho grande quando se compara com outros mercados e outros países, como a Austrália, por exemplo, que tem uma população bem menor que a brasileira e já tem mais que o dobro de sistemas fotovoltaicos que o Brasil. Hoje, 20% das residências australianas geram a sua própria energia a partir do sol. Então, vemos a distância que o Brasil ainda está de outros mercados líderes no setor.
O Otimista: Segundo estimativa da World Energy Transitions Outlook 2022, da Agência Internacional de Energia Renovável, o mundo precisa investir US$ 5,7 trilhões por ano até 2030 para efetivar a transição energética. O senhor acha que isso será possível? Qual é o papel do Brasil nesse cenário?
Rodrigo Sauaia: Para que a gente consiga avançar com a transição energética global na velocidade necessária para atingir as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, prevista nos acordos internacionais, seria necessário triplicar os investimentos em fontes renováveis anualmente. Quer dizer, aumentar o volume previsto de investimentos em comparação com o as projeções usuárias de mercado em três vezes ao longo de todo período. Isso é um grande desafio, mas é também uma grande oportunidade. Significa dizer que é possível atrair investimentos para o Brasil pelo imenso potencial renovável que possui, de modo a tornar esse desafio uma alavanca para o desenvolvimento sustentável, o crescimento econômico a partir de uma industrialização mais verde e também aproveitando novas tecnologias, como o hidrogênio verde para tornar esse potencial renovável brasileiro exportável. Portanto, o Brasil pode ser um grande protagonista, tanto porque tem condições para ter 100% de sua matriz elétrica, até 2030, 100% limpa e renovável. A meta de outros países de referência, como os Estados Unidos e a Alemanha, duas das maiores nações do mundo, é de até 2030 ser 100% limpos e renováveis. Nós podemos alcançar isso em um prazo bem menor.
O Otimista: Qual avaliação o senhor faz da Lei nº 14.340, que prevê cobrança pelo uso da rede elétrica para quem tem painel solar? Isso pode prejudicar o avanço do setor?
Rodrigo Sauaia: O marco legal da geração própria de energia renovável não é só solar, é para todas as fontes renováveis, foi um passo importantíssimo, uma construção de um acordo envolvendo o Congresso Nacional, o governo federal, agência regulatória e associações de fontes renováveis e as associações de distribuidoras de energia elétrica. Isso tudo buscando um ponto de equilíbrio que pudesse trazer previsibilidade, transparência, clareza e segurança jurídica para que o mercado possa continuar avançando de forma sólida no País. Representa uma forma de levar consideração também um processo de transição gradual, que não haja uma mudança de regra, uma cobrança, por exemplo, sobre o uso da rede elétrica quando a energia é injetada na rede elétrica que inviabilizasse essa tecnologia. Isso foi evitado com essa lei, já que ela prevê uma transição gradual com a cobrança sobre o uso da rede elétrica apenas quando o consumidor efetivamente faz uso dessa rede e apenas na parcela justa de se fazer essa cobrança. Essa lei, no entanto, ainda precisa ser regulamentada e implementada corretamente. De nada adianta uma boa lei no papel que não é implementada. Nós temos trabalhado muito para uma positiva implementação da regulamentação da lei para que ela possa ser cumprida porque, de fato, já há itens da lei que estão atrasados.
O Otimista: Qual é o papel da região Nordeste para o avanço do mercado de energia fotovoltaica no Brasil?
Rodrigo Sauaia: O Nordeste é o líder na expansão da geração solar fotovoltaica de grande porte, o que a gente chama de geração centralizadas nas grandes usinas solares. O Nordeste continuará tendo um papel muito relevante e protagonista na expansão dessas grandes usinas. Mas é importante dizer que o Sudeste está competindo bem por essa posição, tanto em projetos de grande porte, especialmente em Minas Gerais, mas também na geração própria de energia renovável, aí quem lidera na geração de pequeno porte são os estados da região Sudeste, em especial Minas Gerais e São Paulo, que estão, respectivamente, na primeira e segunda do ranking estadual de geração própria de energia renovável. Na geração solar de pequeno porte, o Nordeste ainda está atrasado. Precisa aproveitar seu potencial e acelerar essa oportunidade. A gente percebe que, hoje, o Nordeste está praticamente começando a entrar no ranking. Isso também se faz com boas políticas públicas. Então, é preciso melhorar os incentivos para que os consumidores gerem a sua própria energia.
O Otimista: O Ceará possui projetos na área de energias renováveis já em fase de implementação. Qual avaliação o senhor faz dessas iniciativas para a movimentação da economia?
Rodrigo Sauaia: Na energia solar fotovoltaica, o Ceará é atualmente o quinto maior em usinas de grande porte e em novos projetos solares em desenvolvimento. O Estado tem uma posição relevante, mas tem para avançar, pois, quando a gente olha para os sistemas de pequeno e médio porte, a distância é ainda maior, e a oportunidade do Estado de seguir avançando é também é maior. É preciso ter esse olhar para poder aproximar os pequenos consumidores e incentivá-los a fazer esse investimento direto nos sistemas. Nesse sentido, o avanço da energia solar no Nordeste e no Ceará é extremamente importante do ponto de vista econômico. Primeiro, pela atração de investimentos que esses projetos trazem, principalmente para municípios no interior, que normalmente têm um índice de desenvolvimento humano menor. Quando você traz a geração de energia limpa e renovável a partir do sol para uma área que às vezes é desértica ou tem pouca oportunidade do ponto de vista de qualidade do solo, para produção agrícola, por exemplo, passa a gerar riqueza e gerar oportunidades numa região que antes era árida ou desassistida. Com relação a emprego, é importante dizer que cada megawatt instalado de energia solar proporciona aproximadamente 30 empregos no ano de instalação daquele projeto. Esse número é bastante elevado. Uma usina eólica, por exemplo, gera cerca de 18 empregos, enquanto a solar cria 30. Então, isso traz um ganho importante do ponto de vista de desenvolvimento social, de renda e das oportunidades que isso traz para as famílias do Ceará.