04/05/23 | São Paulo
Reportagem publicada por Um só Planeta
Programa social busca universalizar acesso à eletricidade nos locais mais remotos da Amazônia Legal
O Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) lança, nesta quinta-feira (dia 4), o estudo “Sistemas Fotovoltaicos na Amazônia Legal: avaliação e proposição de políticas públicas de universalização de energia elétrica e logística reversa” , que calculou quantos equipamentos são necessários para cumprir as metas do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica na Amazônia Legal – o Mais Luz para a Amazônia (MLA). A pesquisa também buscou elucidar quais os possíveis desafios a serem enfrentados pelo programa e aponta algumas propostas para que a implementação dos sistemas fotovoltaicos – opção escolhida pelo governo como a mais adequada para essa demanda – seja feita respeitando critérios sociais e ambientais.
O Manual de Operacionalização do MLA define que a energia disponibilizada mensalmente deve ser entre 45 kWh e 180 kWh por unidade consumidora, seja ela uma residência, escola, posto de saúde, ou até mesmo um poço de água. Quanto ao tipo de fonte de geração, que precisa necessariamente ser renovável, todo o atendimento deve ser feito com sistemas fotovoltaicos com autonomia mínima de 48h, independentemente da capacidade instalada. Ou seja, esses sistemas devem apresentar um armazenamento de energia para um período mínimo de dois dias, o que torna essencial o uso de baterias no MLA, que busca promover o acesso à energia elétrica para a população das regiões remotas dos estados da Amazônia Legal.
Em relação à demanda por equipamentos que o programa vai gerar no país, a conclusão a que os pesquisadores do IEMA chegaram é que, para atender às metas de universalização, será preciso empregar, no caso de atendimento com Sistema Individual de Geração de Energia Elétrica com Fonte Intermitente de 45 kWh/mês com bateria de íon-lítio, mais de 3 milhões de equipamentos ao longo da vida útil dos sistemas. Levando em consideração um cenário com SIGFI de 180 kWh/mês com bateria de chumbo-ácido, o número sobe para 12 milhões de equipamentos.
Para atingir seus objetivos, o MLA indica a necessidade de levar energia elétrica a 219.221 unidades consumidoras desconectadas do Sistema Interligado Nacional (SIN). Isso significaria prover para a região uma capacidade instalada de 363 MWp (Megawatt-pico) se for considerado o padrão SIGFI 45 ou de 1.381 MWp no padrão SIGFI 180, valor pouco superior à capacidade instalada residencial de GD do estado de São Paulo, que possui 1.282 MWp.
O consumo de energia elétrica para atendimento das necessidades básicas mínimas definido no programa (uma lâmpada de LED, carregamento diário de um celular e uma geladeira de uma porta), é inferior a 45 kWh/mês. Portanto, quem receber o padrão SIGFI 45, o mais básico e menos custoso do programa social, poderá contar, além das necessidades básicas mínimas do programa, com uma TV 14” e um notebook. Já o padrão SIGFI 180 permite o uso de mais equipamentos no domicílio, como ventiladores, geladeira de duas portas, rede de internet, maior número de lâmpadas LED, bombas d’água, congeladores e outros e se assemelha ao consumo médio mensal de energia elétrica dos domicílios da região Norte, de 182 kWh/mês.
Por conta das características das unidades consumidoras da região, o programa optou pela implementação de sistemas fotovoltaicos off-grid (autônomos, não conectado à rede) aliados a sistemas de armazenamento de energia por baterias. No entanto, os pesquisadores do IEMA apontam que a falta de estruturação e de disponibilização de dados e informações são um gargalo significativo para os programas de acesso à energia elétrica que usam essa tecnologia. Por isso, o estudo recomenta, entre outras medidas, a construção e disponibilização pública de uma base de dados consolidada e de informações georreferenciadas das características socioeconômicas das comunidades remotas da Amazônia Legal, preferencialmente vinculada ao CadÚnico, para que seja feita a integração das informações do MLA com outros programas de assistência social e redistribuição de renda.
“Dados e informações consolidados são essenciais para qualquer política pública. A falta desses dificulta a medição, o monitoramento e o seu planejamento e execução efetiva como metas, alocação de recursos e mecanismos de gestão para garantir a sustentabilidade de longo prazo. É o caso dos programas de eletrificação, que exigem um ciclo completo de atendimento, desde a identificação e localização das pessoas sem acesso à energia elétrica até a destinação dos resíduos gerados”, afirma Vinicius Silva, um dos autores do estudo.
Segundo a pesquisa, além das lacunas para o planejamento e a execução da instalação de milhares de sistemas off-grid em áreas remotas, restam também gargalos no planejamento e execução da retirada e da reciclagem dos resíduos a serem gerados com os módulos fotovoltaicos, baterias e demais componentes dos sistemas. Neste sentido, para que o impacto local seja minimizado — visto que os componentes têm vida útil limitada e as baterias podem poluir o meio ambiente ou serem inflamáveis — o estudo buscou mostrar os desafios da logística reversa que precisa ser elaborada para o MLA.
A estimativa é que, no final da vida útil dos sistemas instalados, sejam produzidas entre 71 mil e 237 mil toneladas de resíduos. Apenas o SIGFI 180 com bateria de chumbo-ácido (já empregadas pelo mercado e com preço acessível), geraria cerca de 7 mil ton/ano — quase o dobro da quantidade de resíduos eletrônicos coletados no Brasil em 2021. Já os SIGFI 45 com bateria de íon-lítio (mais eficiente, porém exige maior cuidado ao manusear e ainda falta ser adequadamente regulamentada), corresponderiam a cerca de 2 mil toneladas anuais.
Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de diversos produtos, como baterias automotivas – exclusivamente do tipo chumbo-ácido, também empregadas em sistemas fotovoltaicos – são obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa. Porém, o texto deixa de fora as baterias de íon-lítio, o que, segundo a pesquisa do IEMA, deixa clara a necessidade de regulação no país para esse tipo de tecnologia, já que muitos dos componentes das baterias são resíduos contaminantes e podem ser depositados em locais inadequados, afetando o solo e a água de uma região.
Portanto, o estudo publicado hoje aponta que, nos próximos anos, os formuladores de políticas públicas e as partes interessadas na cadeia solar fotovoltaica e de baterias devem se preparar para a geração de resíduos em escala e desenvolver mecanismos para fomentar e capitalizar as oportunidades do segmento. Entre as recomendações apontadas está a de estimular o investimento e o financiamento público e privado para a gestão de fim de vida dos equipamentos, superando as barreiras de financiamento e garantindo o apoio de todas as partes interessadas, como cooperativas regionais, locais, pequenos distribuidores e processadores de resíduos.
Ainda que a maioria dos componentes dos sistemas fotovoltaicos seja reciclável, a logística reversa para eles é praticamente inexistente na Amazônia Legal: apenas 58 dos 808 municípios contam com o serviço. “A transição energética justa, tão discutida atualmente, passa pela inclusão energética tanto em centros urbanos periféricos quanto em áreas ambientalmente sensíveis, como a Amazônia. Nesse sentido, o abastecimento à população ainda sem acesso a esse serviço deve vir necessariamente acompanhado de políticas públicas capazes de integrar os desafios de recursos e governança para evitar que o problema atual da falta de luz não seja substituído por outro problema de acúmulo de resíduos no futuro”, afirma Ricardo Baitelo, gerente de projetos do IEMA.