EUA vão impor novas tarifas a carros elétricos chineses

10/05/24 | São Paulo

Reportagem publicada em O Globo

Medida é mais uma na guinada protecionista do país contra a China. Mas analistas avaliam que sanções devem ter pouco impacto, já que marcas chinesas já restringem exportações aos EUA

O governo americano está prestes a divulgar uma nova leva de tarifas de importação à China já na próxima semana, uma decisão que deve atingir setores estratégicos. Ao mesmo tempo que critica os discursos protecionistas de seu potencial rival na corrida eleitoral Donald Trump , a administração Biden deve impor sobretaxas a vários produtos chineses, disseram fontes a par do assunto.

O anúncio será feito quando estiver concluída a revisão da chamada “Seção 301”, conjunto de regras criadas pelo governo Trump em 2018.

As sobretaxas devem se concentrar no setor industrial, incluindo veículos elétricos, baterias e células fotovoltaicas, com as tarifas existentes em grande parte sendo mantidas. Um anúncio está agendado para terça-feira, 14.

É mais um passo na recente guinada protecionista de Biden. No mês passado, os EUA elevaram as tarifas sobre o aço e o alumínio originado do país asiático, e abriram uma investigação sobre possíveis práticas de dumping (cobrar preço abaixo do valor de custo) pela indústria naval da China.

Com a notícia, o yuan sofreu desvalorização, enquanto o índice CSI 300, que reúne ações chinesas, caiu até 0,6% nas negociações iniciais antes de se recuperar.

— Definitivamente, isso fará com que os investidores pensem duas vezes sobre ações que estão potencialmente expostas. Todos sabem que é um risco — disse Xin-Yao Ng, diretor de investimentos da gestora britânica Abrdn, acrescentando que muitas marcas de tecnologia verde, como a gigante de baterias Contemporary Amperex, já têm exposição limitada aos Estados Unidos

O Ministério das Relações Exteriores da China disse que as tarifas impostas pela administração anterior dos EUA “interromperam seriamente” as trocas econômicas e comerciais entre os dois países. A pasta pediu a Washington que cancelasse as restrições e acrescentou que o país tomará medidas para defender seus direitos e interesses.

— Em vez de corrigir suas práticas erradas, os Estados Unidos continuaram a politizar questões econômicas e comerciais. Aumentar ainda mais as tarifas é como acrescentar insulto à injúria — disse Lin Jian, porta-voz do ministério nesta sexta, 10.

A estratégia do presidente Xi Jinping de aumentar a fabricação para conter uma desaceleração econômica interna tem gerado alarme no exterior. Líderes dos EUA e da União Europeia repreenderam Pequim pelo apoio estatal, dizendo que isso alimentou uma enxurrada de exportações baratas que ameaçam empregos em seus mercados.

A União Europeia iniciou uma investigação sobre subsídios para veículos elétricos em outubro que pode resultar em tarifas adicionais até julho.

— Os EUA estão se opondo às práticas econômicas injustas e à capacidade industrial excessiva da China. Não estou buscando uma briga com a China. Estou buscando competição, mas uma competição justa — disse Biden no mês passado.

As tarifas provavelmente teriam pouco impacto imediato nas empresas chinesas, já que as fabricantes de veículos elétricos do país evitaram o mercado dos EUA justamente por conta das tarifas.

As fabricantes de placas de energia solar da China, em sua maioria, exportam para os EUA através de outros países para evitar restrições. Mas empresas americanas também encontram tarifas mais altas nesse comércio também.

Biden e Trump estão lutando para serem vistos como exigentes com a China, enquanto se dirigem para uma revanche eleitoral em novembro.

Biden sancionou uma lei no mês passado que iniciou uma contagem regressiva para a plataforma de compartilhamento de vídeos TikTok se desvincular de sua controladora chinesa ByteDance, ou sair do mercado americano.

Já o republicano Donald Trump prometeu aumentar as tarifas sobre a China em todos os setores, caso reeleito, prometendo um imposto de 60% sobre todas as importações chinesas. Muitos democratas têm rejeitado essa abordagem mais agressiva, porque ela aumentaria os preços para os consumidores dos EUA, impactando a inflação.

Durante o último governo de Trump, Washington e Pequim se envolveram em uma guerra comercial. A China retaliou as decisões americanas com medidas que visavam causar impacto no setor agrícola americano, ao mirar em exportações do setor.

O senador republicano de Iowa Chuck Grassley espera que Pequim responda novamente:

— Sabemos como a China reagiu quando Trump impôs tarifas. Eles atingiram a agricultura com isso. Não posso ter certeza de que a China atingiria a agricultura da mesma forma que fez com as tarifas de Trump, mas eles vão reagir.

‘Tarifas estratégicas’

O anúncio de Biden deve ser formalmente promulgado pelo gabinete da Representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, que no mês passado disse que esperava uma conclusão de uma revisão iniciada em 2022. O governo vinha buscando maneiras de tornar as tarifas mais estratégicas e eficazes, disse à época.

A medida vem após Biden ter proposto no mês passado novas tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio chineses, como parte de uma série de medidas para fortalecer o setor siderúrgico americano e conquistar os trabalhadores do país em ano eleitoral. A promessa foi vista como simbólica, já que a China exporta pouco de ambos os metais para os EUA.

Pequim respondeu à restrição impondo tarifas sobre o ácido propiônico feito pelos EUA. O material é utilizado como conservante em alimentos e como ingrediente para realização de plásticos, drogas, perfumes e solventes. O mercado de exportação do produto gerou um valor de US$ 7 milhões para os EUA no ano passado, segundo dados alfandegários.

Ainda assim, aumentar as tarifas em um espectro mais amplo de indústrias poderia provocar uma resposta mais forte das autoridades chinesas.

A gama completa de tarifas existentes abrange desde importações de insumos industriais, como microchips e produtos químicos, até produtos de consumo, incluindo vestuário e móveis. Trump impôs as primeiras tarifas em 2018, citando a seção 301 da Lei de Comércio de 1974.

Por anos, divisões internas impediram a equipe de Biden de chegar a um consenso sobre o que fazer em relação às tarifas. Alguns membros, incluindo a secretária do Tesouro, Janet Yellen, argumentaram que a redução das restrições sobre itens domésticos poderia ajudar a aliviar a inflação nos EUA.

Embora a administração Biden tenha considerado as implicações políticas de mudanças nas tarifas, a Representante de Comércio dos EUA, em 2022, iniciou uma revisão formal legalmente exigida de seu impacto. Na ausência de tal avaliação, as restrições teriam começado a expirar automaticamente em meados de 2022.

Sob Trump, Washington e Pequim alcançaram o chamado acordo de fase um no início de 2020. Isso reduziu algumas tarifas em troca da China se comprometer a abordar o roubo de propriedade intelectual e aumentar suas compras de energia, produtos agrícolas e manufaturados, juntamente com serviços, em US$ 200 bilhões nos dois anos até o final de 2021. Só que a China não cumpriu mais de um terço das promessas.

A medida tarifária de Biden ocorre depois que o relacionamento tumultuado dos EUA com a China se estabilizou nos últimos meses, em meio a uma série de engajamentos diplomáticos. Após o presidente dos EUA se encontrar com seu homólogo chinês na Califórnia em novembro passado, Biden disse que alcançaram “progresso real”.