24/02/22 | São Paulo
Reportagem publicada pelo Portal A Tarde
Líder no Brasil na geração de energia solar em usinas de grande porte, a Bahia ainda tem um grande potencial a explorar na geração própria, já que ocupa apenas a 10ª posição no ranking nacional em sistemas de pequeno e médio porte. “A Bahia é também o segundo estado com o maior número de projetos outorgados, quer dizer, em fase de desenvolvimento, mostrando que efetivamente o estado tem um protagonismo muito grande na energia solar”, aponta Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR). Em entrevista ao A TARDE, ele avalia a situação do Brasil no mercado de geração de energia solar, comenta as mudanças na legislação, cobra “ambição” do governo para dar maior “protagonismo” a esta fonte e enumera as vantagens para estados e municípios que têm desenvolvido programas de energia solar.
Quando surgiu a ABSOLAR e quais são os principais eixos de atuação?
A ABSOLAR foi fundada em 2013 e é a associação que representa todos os elos da cadeia de valor do setor solar fotovoltaico no Brasil. Possui hoje centenas de empresas associadas e tem como foco principal ser a voz e o rosto representando o setor solar fotovoltaico no Brasil. Assim como também tem o papel de fazer o acompanhamento e monitoramento do mercado, das oportunidades, dos números do setor.
Como está o Brasil no campo da energia solar quando comparado com outros países?
Hoje o Brasil ainda está atrasado em comparação a outros países no uso da energia solar. Em uma comparação com outras fontes e tecnologias renováveis, o Brasil é uma referência mundial. É o terceiro país do mundo com maior capacidade instalada, somando todas as fontes renováveis, e o segundo maior em hidrelétricas e em biomassa. O sétimo maior em energia eólica. Mas na energia solar, ainda está atrasado. Estamos em 14º no ranking mundial, atrás de países que têm um recurso solar muito inferior e muito menos área disponível, como Alemanha, Japão e Reino Unido. Um dos principais motivos para esse atraso é justamente a falta de suporte e planejamento para a implementação da tecnologia, de políticas públicas, incentivos e programas para o setor. Isso, felizmente, tem avançado com os anos, com o desenvolvimento da tecnologia e redução do seu preço e custo. Hoje, a energia solar é por volta de 85% mais barata do que há 10 anos. Mas, quando a gente compara, vários países já têm milhões de sistemas instalados de energia solar e o Brasil está na faixa de 800 mil, 850 mil sistemas; ainda não atingiu o primeiro milhão em operação.
Em janeiro, o Brasil ultrapassou a marca histórica de 13 gigawatts (GW) de potência operacional da fonte solar fotovoltaica. O que isso representa para o segmento?
Isso é quase uma Itaipu em energia solar. Itaipu tem uma potência total instalada de 14 GW, e o Brasil superou recentemente essa marca dos 13 GW em energia solar fotovoltaica. Uma parcela majoritária disso, por volta de 2/3, é de sistemas solares de pequeno e médio porte da geração própria de energia, instalados nos telhados das residências, pequenos negócios, propriedades rurais e prédios públicos. E mais ou menos 1/3 dessa potência instalada em usinas solares de grande porte. No acumulado, essa marca representou para o Brasil R$ 66,3 bilhões de investimentos atraídos de 2012 para cá. Também uma geração de 390 mil empregos. São números expressivos de contribuição econômica e social. Além de uma redução significativa da emissão de gases de efeito estufa no âmbito do setor elétrico, ajudando portanto no combate às mudanças climáticas. Apesar desse grande avanço, hoje menos de 1% dos consumidores brasileiros já gera sua própria energia. Ainda é uma fração muito pequena e, por outro lado, uma grande oportunidade pelo potencial de crescimento gigantesco para ser aproveitado.
O que muda com o marco legal da geração distribuída, sancionado no começo do ano?
Essa publicação vem depois de um processo longo de tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado. Foram mais de dois anos de tramitação, o que permitiu ao texto ser amadurecido, e o resultado disso é positivo. Um marco legal que traz segurança jurídica, estabilidade, equilíbrio e clareza para os consumidores que já investiram na tecnologia, garantindo a eles os direitos de manutenção das condições dos sistemas e dos investimentos feitos. Cria uma janela de oportunidade para que, pelos próximos 12 meses da data de publicação, novos consumidores possam adotar essa geração própria renovável nessas mesmas condições favoráveis disponíveis atualmente. E também cria um processo de transição escalonado, gradual e suave para que, quando a energia futuramente injetada na rede pelos novos consumidores que aderirem, haja uma cobrança pelo uso da infraestrutura elétrica em um valor adequado, para evitar uma perda de competitividade dessa tecnologia para os consumidores. Então, com esse processo, os consumidores continuam tendo na geração própria de energia solar e outras fontes renováveis uma ferramenta estratégica para reduzir os seus gastos com energia elétrica, aumentar a sua autonomia, se proteger dos reajustes tarifários e bandeiras que encarecem a conta de luz. Apesar desse avanço legal importante, a gente percebe ainda hoje um descasamento do planejamento com o potencial e com a competitividade da energia solar. É preciso que o governo federal aumente a sua ambição e amplie o volume de energia da fonte solar a ser contratado, de tal modo que ela represente uma fração mais importante da expansão da matriz elétrica brasileira. Os analistas de mercado projetam que hoje a energia solar, que representa por volta de 2,5% da matriz, possa se tornar a fonte número um do Brasil – hoje ela é a sexta – até 2040, 2050. São as projeções de Bloomberg, ANF, DN VGL, HS Marketing e outros analistas de mercado de grande reputação nacional e internacional. Então, falta no planejamento público brasileiro, feito pelo governo federal, um maior protagonismo para a energia solar.
Muito se fala do potencial da Bahia na geração da energia solar. Em que patamar o estado se encontra, comparando com o contexto nacional? Quais as perspectivas para os próximos anos?
A Bahia hoje é um estado de referência em energia solar, em especial nas usinas de grande porte. Nessas grandes usinas, a Bahia é hoje o estado número um do Brasil em potência operacional. Tem 1.354,3 MW em operação, do total de 4.635 MW em usinas de grande porte no Brasil. A Bahia é também o segundo estado com o maior número de projetos outorgados, quer dizer, em fase de desenvolvimento, mostrando que efetivamente o estado tem um protagonismo muito grande na energia solar. Isso por conta do seu amplo recurso solar, um dos melhores do Brasil, e também pela sua grande área territorial, com várias regiões apropriadas para o aproveitamento dessa tecnologia. Mas é importante citar que, quando a gente olha para a geração própria de energia solar, a Bahia não está no mesmo nível de destaque. Está em 10º lugar no ranking entre os estados de geração de pequeno e médio porte solar, com 295,6 MW em operação. Representa apenas 3,3% do total de 8.885 MW de geração própria de pequeno porte em operação no Brasil. É uma fração pequena. Nesse sentido, existe também uma oportunidade grande para a Bahia avançar com o desenvolvimento de boas políticas públicas. Isso passa por melhorar as condições tributárias para a geração própria de energia solar – sobre a energia e sobre os equipamentos. Passa também por mais acesso a financiamento, linhas de crédito que poderiam ser desenvolvidas pela Desenbahia, por exemplo, e disponibilizadas para a sociedade. Também acreditamos que o poder público possa fazer mais, incorporando a energia solar nas escolas, hospitais e outros prédios públicos, de tal modo a reduzir a sua conta de luz e dar o exemplo para a sociedade no uso da tecnologia. E também com um processo de maior engajamento com os mercados, os segmentos consumidores, divulgando para a população e os setores produtivos a energia solar como uma aliada na redução de custo e aumento da competitividade dos pequenos negócios no estado. Nesse sentido, a Bahia também tem uma oportunidade grande de participar do desenvolvimento de uma nova fase de projetos de geração de energia. São os chamados projetos híbridos, que combinam duas ou mais fontes de geração de energia. Então, seria possível acrescentar usinas solares aos projetos de energia eólica, de energia hidrelétrica, já em operação na Bahia.
A ampliação do uso da energia solar no Brasil reduziu em quanto a emissão de CO2 na geração de energia?
Ao todo, a geração solar já ajudou a reduzir a emissão de 17,7 milhões de toneladas de CO2. É um volume significativo de gases de efeito estufa que deixaram de ir para a atmosfera com a geração limpa e renovável do sol, que não emite nenhum tipo de poluente líquido, sólido ou gasoso, e que não precisa de água ou combustível para a sua operação. Os equipamentos são até 96% recicláveis, como o módulo fotovoltaico. Podem ser reaproveitados ao final da vida útil, não viram lixo. São matéria-prima preciosa que volta para o processo produtivo e, portanto, tem um ciclo de baixo impacto ambiental, o que contribui com o meio ambiente.
Quais são as principais dificuldades para a geração desse tipo de energia?
A energia solar encontra alguns desafios que precisam ser superados. Um deles é a limitação na capacidade de escoamento das linhas de transmissão. Há uma falta de linhas suficientes para escoar toda a energia produzida no Nordeste, por exemplo, para as demais regiões do Brasil. Isso tem feito com que o Brasil esteja desperdiçando, jogando fora um pedaço da energia solar, eólica e até mesmo das hidrelétricas. É fundamental acelerar e ampliar a capacidade de transmissão do país para remover esse gargalo, que já está sendo sentido pelo mercado e pelo setor. Além disso, é fundamental uma solução regulatória para repor os investimentos dos empreendedores quando essa energia é desperdiçada, de tal modo que eles sejam remunerados pela energia que efetivamente geraram. Eles não podem ser culpabilizados por um problema que não está na alçada de decisão deles. Outro ponto importante é a necessidade de aproveitar melhor o recurso solar, com um volume maior de contratação nos leilões públicos. A gente percebe que hoje os leilões acabam tendo uma contratação muito aquém das expectativas do mercado no volume de energia solar comprado pelo governo, apesar de ser uma das fontes mais baratas. Para ter uma ideia, dos últimos cinco leilões de energia feitos no Brasil, em quatro deles a energia solar teve o menor preço médio de venda. Era de se esperar que o governo estivesse priorizando comprar essa energia limpa, barata e de rápida implementação. As usinas ficam prontas em um prazo menor do que a média dos outros empreendimentos. Portanto, é preciso revisar esse planejamento.
Quais são as principais ganhos para municípios e estados que têm se tornado palco de projetos de geração de energia fotovoltaica?
Nós temos visto cada vez mais os gestores públicos interessados em instalar energia solar. Isso vale para os municípios, mas também para os estados e até mesmo órgãos da administração federal, Legislativo e Judiciário. Além da economia que a energia solar pode trazer de imediato, ajudando a liberar orçamento para outras atividades e investimentos importantes, é também uma forma do governo mostrar a sua liderança na área da sustentabilidade, o seu compromisso com o meio ambiente. E uma forma de incorporar uma tecnologia que gera um volume importante de postos de trabalho, de empregos locais. Portanto, ajuda a aquecer a economia do município, do estado, da região. Por isso, nós temos visto cada vez mais estados e municípios desenvolverem os seus programas de energia solar, como é caso do Goiás Solar, Palmas Solar, Salvador Solar, entre outros. A ABSOLAR apoiou o desenvolvimento desses projetos que eu citei como exemplos e estamos à disposição para apoiar outros estados, capitais, municípios interessados em adotar a energia solar como parte da solução para os seus desafios.
Rodrigo Sauaia, presidente da ABSOLAR– Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Foto: )