12/05/22 | São Paulo
Reportagem publicada pelo Estadão
Baterias para armazenar energia ganham espaço com avanço da geração solar e eólica
O processo de transição energética, com a entrada de novas fontes na matriz elétrica, tem aumentado a demanda mundial por sistemas de armazenamento em baterias. Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), em 2019, o mundo somava 10,7 GW de capacidade de armazenamento instalada. Mas, com a expansão das fontes renováveis intermitentes (solar e eólica) e as metas globais para redução das emissões, a expectativa é que esse mercado tenha um crescimento exponencial nos próximos anos, alcançando 1 mil GW em 2040.
Os dados constam de estudo elaborado pelas consultorias Greener e Newcharge, especializadas em energia solar e armazenamento. Até 2035, a expectativa é que esse mercado fature cerca de US$ 546 bilhões no mundo, seja com as baterias de lítio na mobilidade elétrica ou no armazenamento de eletricidade. No Brasil, o setor deve atrair algo em torno de R$ 5 bilhões de investimentos por ano nesse mesmo período.
O assunto já vem sendo abordado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) como uma forma de modernizar o setor elétrico brasileiro. Em relatório sobre o tema, a empresa diz que as transformações pelas quais o sistema nacional vem passando, com aumento das fontes de geração intermitentes (em especial eólica e solar) e redução da energia armazenada nos reservatórios das hidrelétricas, trazem novos desafios ao planejamento e à operação do sistema. “Tal situação abre espaço para tecnologias de armazenamento, que poderão ser um importante recurso para os crescentes requisitos de capacidade e flexibilidade”, segundo o documento.
Uma das vantagens do sistema de armazenamento é a versatilidade de suas aplicações. Na geração renovável, ajuda a aumentar o aproveitamento das usinas. No caso da eólica, por exemplo, a energia produzida à noite, quando o vento é mais forte, é armazenada para ser usada num momento de maior consumo. Na solar, a lógica é a mesma: acumulam energia durante o dia, quando há sol, para atender horários de pico. As usinas híbridas são uma tendência para os próximos anos para aproveitar todo o potencial existente.
Nas linhas de transmissão e distribuição, as baterias podem dar mais eficiência e segurança à rede. Em vez de construir novas linhas ou novas subestações para atender a picos temporários de consumo ou de geração, operadores poderão usar o armazenamento em pontos estratégicos. Também podem absorver flutuações de tensão, ou de frequência, ajudando na redução de quedas de energia. No ano passado, o consumidor ficou, em média, 12 horas sem energia elétrica no Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). As baterias podem ajudar a melhorar esses índices e dar mais confiabilidade à rede, diz o diretor e fundador da Greener, Marcio Takata.
Nessa linha, um dos primeiros projetos no Sistema Interligado Nacional, com bateria de lítio, está em construção pela ISA-Cteep, empresa de distribuição e transmissão de energia. A companhia teve autorização para investir R$ 146 milhões num banco de baterias em Registro, no interior de São Paulo. O projeto terá capacidade de 30 MW e vai ajudar no atendimento do litoral paulista no horário de pico, quando o consumo de energia é maior.
O presidente da empresa, Rui Chammas, explica que o consumo do litoral tem algumas peculiaridades. Os picos de demanda são mais difíceis de atender, o que exigiria a construção de uma nova linha de transmissão, cujo investimento é bem maior. “Aquela região tem uma demanda excessiva no verão que pode resultar em problemas (de abastecimento)”, diz o executivo. Ou seja, o risco de quedas de energia nessa situação é maior.
Compradas na China, as baterias vão ajudar a dar mais segurança no abastecimento da área atendida pela ISA-Cteep e evitar blecautes. Nos momentos de baixo consumo, o sistema será carregado e usado no momento de pico. Trata-se do primeiro projeto de grande escala dessa natureza, cuja receita anual para a empresa será de R$ 27 milhões.
Eólica e solar
Baterias podem resolver o problema da intermitência das fontes renováveis
No caso da eólica, que produz mais à noite, a energia pode ficar armazenada em baterias e liberada quando o consumo for maior. O mesmo vale para a solar, que produz apenas quando tem sol.
O Brasil tem algumas experiências de uso de baterias nos sistemas isolados (que não têm interconexão com o sistema elétrico nacional), em comunidades pequenas e de difícil acesso. Mas tudo ainda é muito incipiente. Giorgio Seigne, presidente da You.On, empresa especializada em sistemas de armazenamento e que participou do projeto da ISA-Cteep, diz que o potencial nos sistemas isolados é alto. Segundo ele, só na região Norte há cerca de 2 milhões de pessoas sem acesso à energia elétrica. E outros atendidos por geradores que funcionam de duas a três horas por dia. Com as baterias, esse tempo poderia ser ampliado.
Segundo ele, outro uso com grande potencial de crescimento é o residencial. Recentemente, o Inmetro homologou um inversor híbrido que deve dar impulso a esse nicho de mercado. Isso vai permitir que um consumidor que tenha painel solar em sua casa, por exemplo, armazene energia e use durante o período de pico, em que a tarifa é mais alta. Ou jogar na rede e ganhar crédito pela energia.
A estatal mineira de energia elétrica Cemig tem um empreendimento, iniciado como Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que envolve uma usina solar e armazenamento em bateria. Uma das finalidades da planta é o desenvolvimento de um novo modelo de negócio, com unidades híbridas que combinam geração fotovoltaica e sistemas de armazenamentos em unidades consumidoras. Isso garante a qualidade da distribuição de energia, especialmente em horários de maior demanda, diz a empresa.
Normalmente, a geração solar fornece energia para a rede apenas durante o dia e suspende o fornecimento no momento em que o sistema é mais demandado. Com a nova usina, essa lógica é invertida, já que ela mescla o envio da energia para rede e o armazenamento ao longo do dia com a presença do sol. A partir das 18 horas, a tecnologia permite que seja injetado na rede seu potencial de energia. O projeto inclui baterias de lítio e de chumbo ácido.
Preço das baterias precisa continuar a cair
O presidente da Renovigi Energia Solar, Gustavo Müller Martins, diz que o custo para colocar um bloco de bateria ainda é caro. Mas, com a maior demanda e o avanço tecnológico, a tendência é que o preço continue em queda. Segundo os estudos da Greener e Newcharge, desde 2010, o preço das baterias de lítio caiu 89%, de US$ 1.183 para US$ 135 o quilowatt-hora (kWh). A expectativa é que em 2024 o preço esteja em US$ 94 e, em 2030, em US$ 62.
“Hoje esse mercado está restrito a residências off gride (fora do sistema interligado) ou na zona rural, em fazendas. Na área urbana, o mercado ainda é pequeno por causa do preço”, diz Martins. Segundo ele, o sistema com bateria fica duas vezes mais caro comparado ao tradicional, sem armazenamento. O executivo avalia, no entanto, que com o inversor híbrido, homologado pelo Inmetro, o mercado vai começar a crescer a partir do segundo semestre.
Takata, da Greener, lembra que há dez anos a energia solar era quase uma utopia no Brasil. Mas, com o avanço tecnológico e maior uso do produto, a competitividade aumentou e a fonte se tornou uma das principais do País e do mundo. Segundo ele, as baterias estão nessa mesma curva, com a vantagem de que o mundo está muito interessado em reduzir os custos por causa do setor automobilístico. “Agora faltam algumas iniciativas para ajudar a incrementar o mercado. A carga tributária desse produto beira os 70%.”
O sócio da Bryds, Edson Freitas, concorda. Para ele, o governo deveria dar mais atenção aos benefícios desse sistema. Como nas demais fontes, que tiveram um impulso inicial, com algumas isenções, as baterias poderiam ter incentivo, diz ele. “Afinal, as vantagens são imensas, levando áreas inexploradas a ganharem mais produtividade, gerando emprego e renda.”
“Hoje esse mercado está restrito a residências off gride (fora do sistema interligado) ou na zona rural, em fazendas. Na área urbana, o mercado ainda é pequeno por causa do preço.” Gustavo Müller Martins, presidente da Renovigi Energia Solar
Foi o que ocorreu com um projeto implementado pela Bryds, empresa de soluções energéticas. Trata-se de uma fazenda em Quirinópolis, em Goiás. Isolada, a 30 quilômetros da rede de energia mais próxima, a área usava gerador a diesel durante alguns momentos do dia. Hoje tem um sistema híbrido que mistura solar, diesel e baterias de lítio. O consumo de óleo caiu de 150 litros por hora para algo em torno de 22 litros. “O benefício maior é que antes o produtor só plantava cana. Agora tem mais duas safras por ano, de soja e milho.” O projeto consegue atender seis pivôs de irrigação.
Freitas conta que está desenvolvendo outros dois projetos semelhantes. Um na Bahia, também para abastecer o sistema de irrigação, e outro em Tocantins, num empreendimento de mineração. Ele conta que, apesar de as baterias ainda serem caras, há uma demanda grande pela solução. “O que pode atrapalhar um pouco é a alta dos juros, já que encarece o financiamento dos projetos.”
As usinas híbridas também têm surgido nos leilões para abastecer os sistemas isolados, no Norte do País. Em 2019, houve a contratação de projetos que misturavam o biocombustível, solar e armazenamento em bateria. Com o avanço da tecnologia e maior demanda, a expectativa é que as baterias sigam o caminho da energia eólica e solar, cujos preços caíram de forma expressiva, tornando as fontes competitivas com outras tradicionais, como as hidrelétricas