Geração de energia solar cresce com redução de custos e mais eficiência

16/08/21 | São Paulo

Reportagem publicada no InfoSolar

Produção global de módulos fotovoltaicos deverá ultrapassar 1 TW ao longo de 2022, ampliando cada vez mais o consumo de energia elétrica limpa e renovável

A produção mundial de módulos solares fotovoltaicos ultrapassou os 100 GW/ano já no final da década passada e a capacidade acumulada deverá ultrapassar a marca de 1 TW (um terawatt = 1000 GW) ao longo de 2022. Este crescimento é notável, considerando-se que a primeira célula solar de silício (Si) foi apresentada ao mercado em 1954 e que somente no ano 2000 o total da potência acumulada mundial atingiu a marca de 1 GW.

No início do milênio a produção em massa de módulos fotovoltaicos nos países asiáticos, impulsionada pelos programas de incentivo que tiveram origem na Alemanha com o “1000-Roofs Project” seguido pela lei de energias renováveis daquele país com generosas tarifas para injeção de energia na rede elétrica pública (feed-in tariffs), resultou na escalada da adoção desta tecnologia. Isso trouxe uma acentuada redução de custo dos geradores solares fotovoltaicos. Nos últimos 10 anos, o preço da tecnologia fotovoltaica sofreu uma queda de preço de 10 vezes!

Entre os fatores que contribuíram para esta acentuada redução de preços viabilizada pelos grandes investimentos na produção em massa estão vários desenvolvimentos tecnológicos. Estes desenvolvimentos vão desde tecnologias relacionadas com a produção das células e módulos (aumento da superfície e redução da espessura da lâmina de Si, aumento no número de barramentos da célula e o uso de meias-células, otimização da camada antireflexiva da célula, etc), até a otimização da estrutura e desenho elétrico da célula solar fotovoltaica (tecnologia de células PERC, heterojunções, células IBC, que já atingiram eficiências de 26,7%, beirando o limite teórico máximo de eficiência de células de Si = 29,4%).

As tecnologias de Si (mono-Si, multi- ou poli-Si, heterojunções – HIT) são denominadas de “primeira geração”, e dominam o mercado com mais de 95% da produção mundial. As tecnologias de filmes finos (Si amorfo e semicondutores compostos mais exóticos como telureto de cádmio – CdTe e disseleneto de cobre, índio e gálio CuInGaSe2 ou CIGS), também conhecidos como de “segunda geração” surgiram na década de 1970, com a expectativa de reduzir custos de produção, partindo da premissa de que por utilizarem muito pouco material semicondutor custariam mais barato para produzir.

De fato, uma célula fotovoltaica de Si amorfo é 100 vezes mais fina do que uma célula fotovoltaica de mono-Si, mas questões relacionadas com eficiência e degradação acabaram por inviabilizar a maior parte destas tecnologias de filmes finos. A excessão é o CdTe, que tem um grande fabricante norteamericano produzindo na escala de vários GW/ano e expandindo sua capacidade de produção, com módulos de grande área (2,5 m2) atingindo eficiências de 20% a nível de módulo e ultrapassando os 22% a nível de célula individual de laboratório.

A figura abaixo mostra um gráfico que o National Renewable Energy Laboratory – NREL (disponível para download) vem compilando e atualizando semestralmente desde 1975 e no qual estas diferentes “gerações” de tecnologias fotovoltaicas são agrupadas em famílias com pontos de diferentes grupos de cores (azul para a primeira geração de Si; verde para os filmes finos), mostrando a evolução dos recordes de eficiência de conversão das melhores células de laboratório.

Evolução ao longo dos anos da eficiência da geração solar fotovoltaica das diferentes tecnologias em diferentes estágios de pesquisa e desenvolvimento, escala piloto e produção industrial em todo o mundo. Este gráfico é preparado e disponibilizado pelo National Renewable Energy Laboratory, com atualização semestral.

As eficiências reportadas neste gráfico geralmente se referem a células unitárias de laboratório e de pequena área. Levar estes valores de eficiência para as áreas típicas dos módulos solares fotovoltaicos comercialmente disponíveis (2 m2 ou mais) e produzidos em escala industrial (GW/ano) é um desafio industrial que resulta na perda de alguns pontos percentuais de eficiência.

As células de pequena área servem para fornecer uma prova de conceito de até onde a tecnologia consegue chegar e estes valores continuam a crescer como se pode ver para quase todas as tecnologias mostradas no gráfico ao longo dos anos.

Nos anos 1990 apareceu a “terceira geração” das tecnologias ditas emergentes (cor vermelha no gráfico do NREL), que inclui células de corantes, orgânicas e inorgânicas que nunca chegaram a atingir eficiências e estabilidades razoáveis. Mais recentemente, a partir do ano 2013 surgiram, e estão chamando muita atenção e investimento em P&D, as células de um composto orgânico-inorgânico denominado perovskita, que em poucos anos dobrou sua eficiência de 12% para mais de 25% como mostra o gráfico do NRE. Esta tecnologia ainda enfrenta grandes desafios de estabilidade e deposição em grandes áreas, mas a prova de conceito em células de pequenas áreas é real e a tecnologia promissora.

Enquanto estes obstáculos são transpostos, com grandes investimentos em P&D em diversos laboratórios por todo o mundo, uma tecnologia de células fotovoltaicas híbridas, denominada de célula tandem de perovskita sobre Si (os triângulos vermelhos pintados de azul no gráfico do NREL, com eficiência da melhor célula de laboratório presentemente atingindo 29,5%), vem ganhando espaço. Aqui se empilham uma sobre a outra as células destas duas tecnologias, com eficiências que deverão ultrapassar os 30% em módulos comerciais de grandes áreas até 2030.

Quando se atinge eficiências desta ordem o custo de produção do módulo fotovoltaico pode ficar entre US$ 0,10/Wp e US$ 0,15/Wp (https://doi.org/10.1002/pip.3305) e o custo final da energia gerada por estes dispositivos, o assim-chamado Custo Nivelado de Energia (LCOE, do inglês Levelized Cost of Energy) fica ainda mais competitivo do que ele já é hoje. Para esta conta fechar, a expectativa de vida útil e operação contínua em campo deve atingir 30 anos, o que já é uma realidade em módulos de vidro-vidro.

Neste cenário, pode-se esperar que os desenvolvimentos tecnológicos e industriais em curso durante a presente década irão se estender e permitir que as reduções de custos que a tecnologia fotovoltaica vem experimentando nas duas últimas décadas continue.

Assim, se a geração de eletricidade solar já aparece hoje na matriz energética mundial como uma competidora que vem ganhando espaço crescente a cada ano, não é difícil imaginar que esta posição vai se consolidar cada vez mais.

Com as pressões cada vez mais intensas que as mudanças climáticas vêm impondo sobre os governos e principalmente às empresas, a geração solar tem seu lugar garantido. Associada às tecnologias de armazenamento de energia em baterias de lítio e à emergente ação concentrada na direção das tecnologias de hidrogênio verde como vetor energético, a geração de eletricidade solar vai ganhar ainda mais força, pois o único hidrogênio verde de verdade é aquele que se produz a partir de água e uma fonte renovável de energia como a solar.

Nos próximos meses o tema do hidrogênio verde vai puxar o foco das discussões e dos investimentos das grandes empresas do setor de energia, desde as empresas elétricas até as de petróleo e gás, e vai ser também foco de nossa atenção aqui.

Sobre o autor: Ricardo Ruther é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutorado em Electrical and Electronic Engineering – The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).