Novo dilema em Wall Street: priorizar ganhos imediatos ou benefícios climáticos?

07/07/24 | São Paulo

Mesmo com investimentos pesados em energia limpa, os ganhos a curto prazo com combustíveis fósseis ainda são grandes

Reportagem publicada pelo R7

Para estimar os danos causados pelas alterações climáticas, uma equipe de economistas analisou recentemente 20 anos de investigações feitas por outros economistas sobre o custo social do carbono. Conclusão: o custo médio, ajustado por métodos mais eficientes e atuais, é bem superior à cifra mais atualizada apresentada pelo governo dos EUA.

Isso significa que, ao longo do tempo, as emissões de gases de efeito estufa terão um impacto maior do que o previsto pelos reguladores. Conforme evoluem as ferramentas para medir os vínculos entre os padrões climáticos e a produção econômica – e as interações entre o clima e a economia aumentam os custos de forma imprevisível –, as estimativas dos danos só aumentam.

Esse é o tipo de dado que poderia provocar sinais de alerta em todo o setor financeiro que acompanha de perto os eventos econômicos que afetam as carteiras de ações e de empréstimos. Mas foi difícil detectar até mesmo a menor reação.

A verdade é que, ultimamente, as notícias de Wall Street têm tratado sobretudo da retirada dos objetivos climáticos dos negócios, e não mencionam a renovação dos compromissos. Os bancos e os gestores de ativos estão se afastando das alianças climáticas internacionais e se irritando com as regras dos pactos firmados. Bancos regionais intensificaram empréstimos aos produtores de combustíveis fósseis; fundos de investimento sustentável sofreram perdas e muitos deles faliram.

O que explica essa aparente desconexão? Em alguns casos, trata-se do dilema clássico do prisioneiro: se as empresas fizerem uma mudança coletiva para energias mais limpas, um clima mais fresco beneficiará a todos no futuro. Mas, a curto prazo, as empresas têm incentivos individuais para lucrar com combustíveis fósseis, o que torna a transição muito mais difícil de ser alcançada.

E, quando se trata de evitar danos climáticos às próprias operações, o setor financeiro está de fato tendo problemas para compreender o que significa um futuro com temperaturas mais altas.

Para entender o que está se passando, coloque-se no lugar de um banqueiro ou gestor de ativos.

Em 2021, o presidente Joe Biden reintegrou os Estados Unidos ao Acordo de Paris (que estabelece que os países desenvolvidos deverão investir US$ 100 bilhões por ano em medidas de combate à mudança do clima nos países em desenvolvimento). Seus reguladores financeiros começaram a emitir relatórios sobre o risco que as alterações climáticas representavam para o sistema financeiro. Um pacto global de instituições financeiras assumiu compromissos no valor de US$ 130 bilhões para tentar reduzir as emissões, confiantes em que os governos criariam uma infraestrutura reguladora e financeira para tornar esses investimentos rentáveis. E em 2022 foi aprovada a Lei de Redução da Inflação (que busca mitigar os efeitos inflacionários e pretende colocar os Estados Unidos em uma posição de protagonismo no processo de transição energética).

Desde então, centenas de bilhões de dólares foram canalizados para projetos de energias renováveis nos Estados Unidos. No entanto, isso não significa que sejam uma aposta segura para as pessoas que constroem as estratégias de investimento. As ações de energia limpa foram atingidas por altas taxas de juros e problemas na cadeia de abastecimento, resultando, por exemplo, no cancelamento de projetos eólicos marítimos. Alguém que comprou ações de alguns dos maiores fundos de energia solar negociados em bolsa, no início de 2023, perdeu cerca de 20 por cento do dinheiro investido, enquanto o resto do mercado de ações disparou.

“É muito difícil pensar em qual vai ser a melhor forma de levar os portfólios na direção de um benefício. Provavelmente, esses serão os grandes investimentos nos próximos 20 anos. Mas, avaliando um período menor, de um a três anos, o desafio é bem maior”, disse Derek Schug, chefe de gestão de portfólio da Kestra Investment Management.

Estratégia de investimento

Algumas empresas atendem clientes institucionais, como fundos de pensão de funcionários públicos que querem que o combate às alterações climáticas faça parte de sua estratégia de investimento. Para isso, estão dispostos a sofrer um impacto no curto prazo. Mas não são a maioria. Nos últimos anos, muitos bancos e gestores de ativos evitaram tudo que trouxesse o rótulo de climático, por receio de perder negócios em estados do país que não aprovam esse tipo de preocupação.

Além do mais, a guerra na Ucrânia dificultou os argumentos financeiros de apoio a uma rápida transição energética. A inteligência artificial e o movimento em direção a uma maior eletrificação, em detrimento dos combustíveis fósseis, aumentam a procura por energia, e as energias renováveis não acompanham esse ritmo. Dessa forma, os bancos continuam a emprestar aos produtores de petróleo e gás, que mantêm seus lucros recordes. Jamie Dimon, CEO do JPMorgan Chase, afirmou em sua carta anual aos acionistas que simplesmente suspender os projetos de petróleo e gás é “uma ingenuidade”.

Tudo isso tem a ver com o atrativo relacionado a investimentos que retardariam as alterações climáticas. Mas e quanto ao risco que as alterações climáticas representam para os próprios investimentos do setor financeiro, com furacões mais poderosos, ondas de calor que derrubam redes elétricas, incêndios florestais que destroem cidades?

Há provas de que os bancos e os investidores consideram algum risco físico, mas também de que muitos deles ainda se escondem, ignorados.

Durante o ano passado, o Banco Central norte-americano pediu aos seis maiores bancos do país que investigassem o que aconteceria ao seu balanço se um grande furacão atingisse o nordeste do país. Um relatório liberado no mês passado informou que as instituições tiveram dificuldade em avaliar o impacto sobre as taxas de inadimplência dos empréstimos por causa da falta de informações sobre as características das propriedades, suas contrapartes e, especialmente, as coberturas de seguros.

Parinitha Sastry, professora assistente de finanças na Faculdade de Administração de Columbia, estudou seguradoras instáveis em estados como a Flórida e descobriu que as coberturas eram, muitas vezes, muito mais fracas do que pareciam, o que aumentava o risco de inadimplência hipotecária depois de furacões. “Estou muito preocupada, porque os mercados de seguros são um elo fraco e pouco transparente. Existem paralelos com algumas das complexas ligações que aconteceram na crise de 2008, em que havia um mercado fraco e não regulamentado que afetou todo o sistema bancário.”

Os reguladores temem que a falta de compreensão desses efeitos em cascata possa não apenas colocar em situação difícil um único banco, mas se tornar um contágio capaz de prejudicar o sistema financeiro. Criaram sistemas para monitorar potenciais problemas, que alguns reformadores financeiros criticaram e chamaram de inadequados.

Mas, enquanto o Banco Central Europeu levou em consideração o risco climático em sua política e em sua área de atuação, o Banco Central norte-americano resistiu em seguir o mesmo caminho – embora tivesse conhecimento de que condições meteorológicas extremas alimentam a inflação e que taxas de juros elevadas atrasam a transição para as energias limpas.

“O argumento tem sido: ‘Ou demonstramos de forma convincente que isso faz parte de nossa competência, ou o Congresso vai ter de lidar com isso; o problema não é nosso’”, disse Johannes Stroebel, professor de finanças na Faculdade de Administração Stern, da Universidade de Nova York.

Mesmo que seja difícil avaliar onde residem os riscos para o bolso de alguém, surge uma incerteza de prazo bem mais curto: o resultado das eleições nos EUA em novembro, que poderá determinar se serão tomadas novas medidas para fazer frente às preocupações climáticas ou se os esforços existentes retrocederão. Uma estratégia climática agressiva talvez não funcione tão bem em uma segunda administração Trump, de modo que parece sensato aguardar para ver como tudo se desenrola.

“Dada a forma como nosso sistema evoluiu até agora, vai tão lento que ainda há tempo para mudar de opinião”, comentou Nicholas Codola, gestor sênior de carteiras da Brinker Capital Investments.

John Morton, que atuou como conselheiro climático da secretária do Tesouro, Janet Yellen, antes de retornar ao Pollination Group, empresa de consultoria e gestão de investimentos com foco no clima, observou que as grandes empresas hesitam em fazer investimentos favoráveis ao clima à medida que as eleições se aproximam, mas diz que “duas coisas estão equivocadas e são bastante perigosas nessa hipótese”.

Primeiro: estados como a Califórnia estabeleceram regras mais rigorosas para divulgação de informações financeiras relacionadas ao carbono e poderão intensificá-las ainda mais se os republicanos vencerem.

Segundo: a Europa está implantando gradualmente um “mecanismo de ajuste nas fronteiras do carbono”, que punirá as empresas poluidoras que queiram fazer negócios naquele continente.

“Nossa opinião é: tenha cuidado. Você vai ficar em desvantagem no mercado se estiver com uma grande bolsa de carbono na mão daqui a dez anos”, advertiu Morton.