02/02/24 | São Paulo
Reportagem publicada na Folha de S.Paulo
Projeto na zona sul terá 80 MW de capacidade; ambientalista fala em falta de participação, e governo nega
O projeto inaugurado pelo Governo de São Paulo em janeiro de uma usina de energia solar flutuante sobre a represa Billings deve colocar o Brasil entre os maiores atores do mundo no setor.
A UFF (Usina Fotovoltaica Flutuante) Araucária, na zona sul de São Paulo , produz força a partir de painéis solares que flutuam sobre a represa, um método defendido por especialistas como mais eficiente na geração de energia limpa —ainda que com capacidade muito aquém de sistemas tradicionais, como hidrelétricas.
Representantes de órgãos de participação da sociedade civil, porém, afirmam que a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) atropelou processos de controle e prometem acionar o Ministério Público.
O governo instalou 10,5 mil placas solares sobre a represa, com 5 MW de potência (7 MW no pico), que pode produzir até 10 GWh por ano, o suficiente para abastecer 4.000 residências.
Até o fim de 2025, no entanto, essa potência deve ser ampliada até chegar a 80 MW. É esse montante esperado ao final do empreendimento que colocará o projeto entre os maiores do mundo.
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) não tem um levantamento específico de usinas flutuantes.
Entre as usinas fotovoltaicas (energia solar) em geral em operação, não só flutuantes, esta pode ser a quarta maior do Brasil ao fim do projeto, atrás apenas de Serra do Mel 1 e 2 (com 137,5 e 103,1 MW, respectivamente), no Rio Grande do Norte, e Sol do Sertão 8 (95,2 MW), na Bahia.
Um levantamento de 2022 da consultoria especializada Solarplaza com as maiores usinas flutuantes do mundo apontou apenas seis delas com potência superior ao projeto anunciado em São Paulo, de 80 MW. Todas estão na China, que tem 78,6% da capacidade de geração em usinas flutuantes do mundo.
A maior usina flutuante nos Estados Unidos, em Nova Jersey, tem 8,9 MW de potência.
São capacidades expressivas, mas distantes da matriz hidrelétrica. Belo Monte, a maior usina do país (excluindo Itaipu, que é binacional), tem potência de 11,2 GW, 140 vezes maior que os 80 MW previstos em SP.
O Brasil está entre os três países com maior potencial para as usinas flutuantes em todo o mundo, segundo a Solarplaza. O potencial de geração de energia no país é de 865 TWh por ano, segundo a empresa, atrás apenas de China (1.107 TWh por ano) e Estados Unidos (1.911 TWh por ano).
O projeto em São Paulo, inaugurado agora, é anterior ao governo Tarcísio e começou com um piloto em fevereiro de 2020, na gestão João Doria (PSDB) , com apenas 100 kilowatts de potência.
Em 2021, a Emae e a empresa privada KWP Energia S.A. formaram consórcio para produzir e instalar a operação atual, de 5 MW. Os painéis solares foram instalados próximos da Usina Hidrelétrica de Elevação Pedreira, na região do autódromo de Interlagos.
O investimento foi de R$ 30 milhões, segundo o governo. Até o fim do ano que vem, com a expansão da usina para 80 MW, o investimento deve chegar a R$ 450 milhões.
O governo ainda aguarda a licença de operação, que vai permitir a geração de energia na usina recém-criada.
“Vai ser um dos maiores do mundo. Essa potência é muito grande mesmo para painéis em solo, é uma usina de muito destaque”, diz Pedro Drumond, coordenador em São Paulo da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) e CEO da RH Renováveis, que atua no setor.
Ele afirma que usinas flutuantes não vão necessariamente substituir as tradicionais no solo ou em tetos de casas e edifícios.
“A demanda é tanta por projetos sustentáveis e por geração mais barata de energia que a gente pode continuar em telhados, fazer em solos e também nas flutuantes”, diz.
Segundo ele, embora a instalação de painéis na água seja mais trabalhosa, portanto mais cara, do que em solo, o sistema tem algumas vantagens.
Primeiro, podem ser instaladas em áreas hoje inutilizadas, como lagos de usinas hidrelétricas ou até em lagos formados em cavas (buracos) de mineração —neste caso, a instalação de painéis solares podem fazer parte de programas de compensação ambiental de mineradoras.
No fim do ano passado, por exemplo, a empresa F2B inaugurou uma usina flutuante na cava de uma antiga usina de extração de areia em Roseira, no interior de SP, com capacidade de geração de 1 MW.
Desde 2019, a barragem da hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, tem uma usina solar flutuante.
Além disso, a instalação sobre a água resfria os módulos dos painéis solares, o que torna o sistema mais eficiente, afirma Drumond.
A instalação de painéis solares flutuantes reduz a evaporação da água, destaca a secretária de de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de SP, Natália Resende, o que melhora a gestão dos recursos hídricos.
As usinas flutuantes não estão isentas de impacto ambiental. Estudo de 2022 de pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) apontou a possibilidade dos painéis de restringir as trocas de oxigênio e gases entre a água e a superfície, afetando o ecossistema local, além do risco de contaminação da água durante a instalação e manutenção do sistema, entre outros.
O advogado Virgílio Alcides de Farias, especialista em direito ambiental e coordenador do subcomitê Billings-Tamanduateí, afirma que o governo desrespeitou a legislação ao não detalhar o projeto ao comitê antes levá-lo a cabo. “A gente soube pela imprensa”, afirma.
Ele diz que procurou um representante da Emae em 30 de outubro de 2023 pedindo a apresentação do projeto. “Nem resposta tive até hoje.”
“A gestão dos recursos hídricos e dos mananciais demanda que a sociedade civil participe, precisa de um controle social, para que se discuta se o projeto é bom ou ruim, se deve ser aprovado ou melhorado. Isso não é respeitado nem pelos estados nem pelos municípios”, afirma Farias.
“Por uma questão de princípio, não posso ser contra energia renovável, mas preciso saber como vai ser implementado. Quais são os benefícios? Aquilo que é bom ou é ruim? Não sabemos.”
Natália Resende, do governo paulista, afirma que “todas as normas foram seguidas e observadas” no processo.
“Tem todo um procedimento prévio para a gente chegar a esse ponto que chegou, várias análises, tudo seguindo norma, observando o procedimento”, disse.